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Especialistas alertam para risco na compra de cartas contempladas de consórcio
Empresas especializadas compram cotas e as revendem; anúncios de classificados podem esconder fraudes
Em outubro deste ano, os consórcios bateram um recorde histórico dos últimos dez anos, chegando aos 6 milhões de participantes ativos, segundo a Associação Brasileira de Administradoras de Consórcio (Abac). A busca pelo produto é grande porque a modalide de crédito não possui juros, sendo recomendada para quem não tem pressa de adquirir um bem e não encontra problemas em contribuir mensalmente com determinado valor. Mas os investidores apressados também encontram maneiras de se beneficiar, comprando cotas em andamento ou cartas já contempladas.
Funciona da seguinte forma: quem possui uma cota em grupos de consórcio pode vendê-la a qualquer momento para outra pessoa, transferindo sua titularidade, inclusive se tiver uma carta já contemplada. O novo consorciado substitui o antigo no grupo e assume suas responsabilidades, como o pagamento das parcelas restantes. As administradoras de consórcio não realizam essa transação, mas o cotista pode fazer a venda por conta própria ou buscar a ajuda de empresas que fazem essa intermediação – compram a cota e a revendem para terceiros.
Segundo a Abac, a operação é legal, mas inspira cuidados jurídicos para evitar golpes e fraudes.
João Gimenez é administrador dos portais Bolsa das Contempladas e Objetiva Consórcio, que faz a intermediação dessas transações. Entre compra e venda de cotas, ele afirma que realiza cerca de 120 transações mensais.
“Pode acontecer do cotista não conseguir mais pagar aquele consórcio ou mesmo de ter uma carta contemplada que fica na gaveta. Ele pode transferir essa cota e pegar esse dinheiro de volta”, explica.
“Todo mundo quer ganhar dinheiro. Os consorciados precisam se desfazer das cotas e como as opções deles são aguardar até o fim do grupo ou esperar ser sorteado, nós as compramos”, afirma Jair Lima, de 52 anos, proprietário de outra empresa do ramo, a Compra Consórcios.
Empresas como as de Gimenez e Lima compram cotas de consórcio que já foram contempladas, mas também que não foram, para vendê-las depois da contemplação. É um mercado paralelo ao das administradoras de consórcio.
“As cartas contempladas valem mais no mercado. Se a carta tiver um valor alto e tiver sido contemplada nas primeiras parcelas, o consorciado pode ganhar de 15% a 20% mais do que já pagou”, diz.
Segundo Lima, a transação é simples. “A pessoa me manda o extrato da cota, com informações como o valor já pago e as parcelas restantes, e eu retorno com uma proposta de valor. Tudo depende do valor do crédito, se é um grupo saudável, entre outras coisas.”
Os únicos requisitos para os consorciados que ainda não foram contemplados é que eles tenham pago pelo menos 20% do valor da carta. As cartas contempladas podem ser negociadas a partir da primeira parcela.
No portal Objetiva Consórcio, administrado por Gimenez, os compradores podem adquirir as cotas diretamente dos cotistas, sem usar intermediários. Nesse tipo de transação, não há código de defesa do consumidor, já que são duas pessoas físicas fazendo negócio.
A transferência da titularidade só pode ser realizada pessoalmente na administradora do consórcio. “O comprador tem de comparecer junto com o vendedor da cota em uma sede ou filial da administradora, que vai pedir uma séria de informações. O termo de transferência do contrato tem de ter anuência da administradora”, explica Elaine da Silva Gomes, gerente do departamento jurídico da Abac.
Documentos como cópias da ata que confirma a contemplação da carta, do contrato assinado na época em que o consorciado adquiriu a cota e declarações da administradora sobre alterações desse contrato são requisitados nesse momento.
Rafael Boldo, gerente da Porto Seguro Consórcio, afirma que menos de 10% das cotas administradas pela empresa são revendidas, e que a administradora não apoia a intermediação por terceiros. "Não somos favoráveis. A administradora não tem acesso a negociação, não sabe o que foi combinado. Nós alertamos que todo novo consorciado que entra no grupo passa por uma análise de crédito. Se for negada, não fazemos a transferência da cota", explica.
Em meio a transações, criminosos aplicam golpes
Quando vendedor e comprador estão em municípios diferentes e não podem comparecer juntos a administradora, uma procuração do vendedor da cota basta para realizar a transação. Ma há ressalvas, afirma Eliana. “É preciso tomar cuidado com as informações que o cotista vai passar, como nome dos pais e documentos. Esse comprador pode ser estelionatário.”
“A procuração deve ser pública e especifica, mencionando o grupo e a cota de consórcio e o que você pode fazer em relação aquilo. Normalmente, o consorciado condiciona que seja válida mediante comprovação do depósito em nome do consorciado”, explica Lima.
O consorciado também pode agir de má fé. “Pode acontecer do cotista fazer essa procuração para duas pessoas distintas. Aí a administradora acata a procuração que chega primeiro”, explica Lima.
Elaine diz que os consumidores precisam ficar atentos a anúncios de classificados que vendem cartas de consórcio. Nem todos são idôneos.
O funcionário público José Arruda, de 50 anos, foi vítima de um golpe. Em 2011, ele viu um anúncio de jornal que vendia “o sonho de sair do aluguel por apenas R$ 800 mensais”. Quando entrou em contato com o anunciante, ele informou que se tratava de uma carta de consórcio contemplada – Arruda receberia o crédito e entraria no grupo.
“Para entrar no grupo com uma carta contemplada, ele me disse que o pagamento de entrada era de R$ 6 mil e que as parcelas seriam de R$ 800. Quando recebi o contrato do banco, a parcela era de R$ 1.700”, conta Arruda.
Segundo o anunciante, o valor das parcelas seria amortizado depois que ele recebesse, em cerca de 60 dias, a carta de crédito de R$ 250 mil. Só que isso não aconteceu e as parcelas de R$ 1,7 mil continuavam chegando.
“Eu tentava entrar em contato com ele, mas ele nunca me atendia, eu não conseguia encontra-lo. Resolvi não pagar as parcelas até que o dinheiro do crédito entrasse, mas descobri que eu perderia o dinheiro da entrada se ficasse inadimplente”, diz o funcionário público.
Arruda decidiu cancelar o consórcio. O banco confirmou o cancelamento e disse a ele que o dinheiro já investido só poderia ser resgatado no final do grupo, em 2.027. “No fim, não havia carta contemplada. Dei esse dinheiro como perdido”, afirma.
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